segunda-feira, 30 de março de 2009

AULA EXPOSITIVA - AS TÉCNICAS DE APRESENTAÇÃO ORAL


Gilberto Teixeira (Prof. Doutor FEA/USP)

I – INTRODUÇÃO
Todos nós, em algum momento de nossas vidas, fomos chamados a fazer uma apresentação na escola, em um contexto social ou profissional.
Na realidade, as exigências da “era da informação” tornam cada vez mais necessário e normal que tenhamos de fazer apresentações no contexto de nossas atividades profissionais e sociais.
Uma apresentação efetiva exige que sejamos capazes de nos comunicar e nos relacionar com outras pessoas.
Tratam‑se de técnicas elementares que, no entanto, não nos são ensinadas na escola ou durante nossa formação profissional.

II – OBJETIVOS DE UMA EXPOSIÇÃO ORAL
Normalmente uma exposição oral pode ter um ou mais dos quatro objetivos:
· informar os outros
· entreter os outros
· ensinar aos outros
· motivar ou outros

O objetivo de informar os outros E dar a eles informações ou conhecimentos básicos, geralmente sob forma de algum tipo de “mapa” cognitivo.

O objetivo de entreter os outros e criar uma experiência positiva ou colocar as pessoas em um “estado” positivo.

O objetivo de ensinar aos outros a fazer a ligação entre o conhecimento e a informação, usando comportamentos e experiências de referência importantes que serão necessários para colocar o conhecimento e a informação em prática.

O objetivo de motivar os outros e fornecer um contexto ou um incentivo que de significado ao conhecimento, às experiências a comportamentos, de tal forma que as pessoas sejam levadas a agir.

É claro que muitas apresentações podem incluir componentes de alguns ou de todos esses objetivos.

Embora as técnicas de Exposição Oral sejam importantes para todos os tipos de apresentações, o enfoque principal são as pessoas que devem fazer apresentações em contextos profissionais, em particular aquelas cujo escopo é o ensino e o treinamento, relacionadas a aprendizagem organizacional.

Embora isto, evidentemente, inclua instrutores e professores, também abrange gerentes, consultores e outros profissionais que precisam compartilhar conhecimento e informação.

A fim de acompanhar as rápidas mudanças da tecnologia e da sociedade, surgiu um novo conceito e compreensão da aprendizagem na organização.

Os avanços acelerados dos métodos de administração, tecnologia e gerenciamento tornaram claro que a capacidade de aprender, tanto no plano individual como no empresarial, é uma necessidade constante para que as empresas possam sobreviver e progredir.

As empresas e outros sistemas sociais começam a perceber que a aprendizagem de um sistema complexo exige organização e esforços contínuos.

Esta percepção ensejou o aparecimento do conceito da “organização que aprende”.

Uma efetiva “organização que aprende” é aquela que apóia o processo de aprendizagem em todas as suas dimensões ‑ incentivando a aprendizagem do aprendizado.

Isso pressupõe a compreensão e a valorização básicas ao processo de aprendizagem.

Uma efetiva organização que aprende precisa fornecer uma estrutura não apenas para os professores e alunos, mas para qualquer pessoa que esteja envolvida, dentro da empresa, nos contextos de aprendizagem.

De acordo com Peter Senge (1990), existem cinco “disciplinas” que precisam ser praticadas por todos os funcionários de uma empresa para que ela se torne, verdadeiramente, uma “organização que aprende”:

1. conscientização e análise de pressuposições e mapas mentais;
2. desenvolvimento das habilidades pessoais;
3. desenvolvimento da visão;
4. aprendizagem em equipe; e
5. pensamento sistêmico.

Resumo das Técnicas de Apresentação Oral

Objetivos Gerais da Apresentação
Informar: Fornecer informações básicas e conhecimento
Entreter: Criar uma experiência positiva para as pessoas ou colocá‑las em um “estado” positivo
Ensinar: Relacionar o conhecimento e a informação a comportamentos a experiências de referência relevantes
Motivar: Fornecer um contexto ou incentivo que de significado aos comportamentos, experiências e conhecimento
O enfoque do curso didática do ensino de administração são as apresentações feitas com objetivo de treinamento e formação, ou seja, relacionadas a aprendizagem dentro da empresa ou da instituição de ensino.

terça-feira, 24 de março de 2009

Gestão e Organização da Sala de Aula




Por: Maria de Fátima Carneiro Machado
Coordenadora da Equipa de apoios Educativos de Caldas das Taipas


O ser humano é um ser em desenvolvimento, numa permanente inter-relação sujeito-ambiente. Há uma interação “mútua e progressiva entre, por um lado, um indivíduo activo, em constante crescimento, e, por outro lado, as propriedades sempre em transformação dos meios imediatos em que o indivíduo vive” (Portugal, 1992:37), sendo este processo influenciado pelas relações entre contextos mais imediatos e contextos mais vastos em que aqueles se integram.
Há assim uma permanente interação entre um indivíduo activo e um mundo que contextualiza o seu desenvolvimento, não só nos contextos imediatos, mas também noutros mais latos, sociais e institucionais. Verifica-se, deste modo, uma relação recíproca sinergética, sujeito/ambiente e ambiente/sujeito, de uma rede múltipla de relações de intercontextualidade.
Nos contextos em que está inserido e participa, o indivíduo realiza actividades, desempenha papéis e estabelece relações interpessoais, fatores determinantes no seu desenvolvimento, como determinantes acabam por ser igualmente as matrizes que moldam a natureza dos contextos e das suas relações. Os contextos assumem, deste modo, na perspectiva ecológica de Bronfenbrenner, uma importância capital. O ambiente sociológico é encarado como uma série de estruturas que se encaixam umas nas outras. Umas mais imediatas que ele vive e experiência diretamente, outras mais afastadas, mas também elas influenciadoras das condições do seu desenvolvimento. Este contexto mais imediato, integrador das experiências e vivências do sujeito, é denominado por Bronfenbrenner como micro-sistema, enquanto os contextos menos imediatos são o exo-sistema, o macro-sistema e o meso-sistema. O exo-sistema tem a ver com os ambientes que, não implicando a ação direta do sujeito, acabam por afetá-la ou por ela serem afetados, enquanto o macro-sistema é constituído pelo conjunto de valores e padrões sócio-culturais que sustentam as atividades que ocorrem nos vários contextos de cultura, e o meso-sistema tem a ver com as inter-relações entre contextos em que o indivíduo participa ativamente. Assim, a escola será um meso-sistema no micro-sistema do aluno.
Nesta relação sujeito-ambiente, o indivíduo insere-se em diferentes contextos, o que gera o desempenho de novas atividades, de novos papéis, a reestruturação de outras relações inter-pessoais, que possibilitam transições ecológicas, conseqüências e causas do processo de desenvolvimento e que ocorrem sempre que “a posição do indivíduo se altera em virtude de uma modificação no meio ou nos papéis e atividades desenvolvidas pelo sujeito” (Portugal, 1992:40).
Dada a importância dos contextos no desenvolvimento do indivíduo, poucos acontecimentos podem ocorrer na sala de aula sem uma relação direta com os contextos de aprendizagem. A vida nas salas de aulas tem características de multidimensionalidade, simultaneidade, imediaticidade, imprevisibilidade, publicidade e historicidade, fazendo com que toda a ação na sala de aula se apresente como um processo sistêmico de comunicação. Partindo do princípio de que o que é verdadeiramente importante para o desenvolvimento do indivíduo é o ambiente, tal como se percebe e é vivido, a perspectiva ecológica enfatiza toda a contextualização em que o micro-sistema do aluno se desenvolve no seu meso-sistema da sala de aula.
A investigação tradicional sobre o ensino não se preocupava tanto com a gestão e organização da sala de aula, como essencialmente com os seus aspectos particulares, focando-se mais nos indivíduo do que na ação dos professores na sala de aula. Era o reflexo de um paradigma intelectual, mais preocupado com aspectos singulares do que com a dimensão social, com a globalidade. Atualmente, a investigação sobre gestão e organização de sala de aula debruça-se não só sobre o modo como a ordem é estabelecida e mantida, como também sobre os processos que contribuem para o seu estabelecimento, tais como a planificação e organização das aulas, o uso e distribuição de recursos, o estabelecimento e explicitação das regras, a reação ao comportamento individual e de grupo, o enquadramento em que esta é atingida.
Com efeito, é na sala de aula que se desenvolve a maior parte do processo ensino-aprendizagem, processo este que apresenta duas tarefas estruturais: aprendizagem e ordem. A aprendizagem, de natureza individual, concretiza-se através da instrução, tendo por referência um currículo que os alunos devem dominar, persistindo nos seus esforços para aprender. De acordo com Doyle, “a ordem realiza-se pela função de gestão, isto é, pela organização de grupos na sala, estabelecimento de regras e procedimentos, reagindo ao mau comportamento, monitorizando e ritmando os acontecimentos da sala de aula (Doyle, 1980 citado por Doyle, 1986:395).
No entanto, estas duas tarefas estruturais do ensino, na prática, não se podem separar. No seu quotidiano, os professores, lidam com elas em simultâneo, instruindo e gerindo os alunos. Assim, uma boa gestão e organização da sala de aula é uma condição para que a aprendizagem possa ocorrer, dado que o envolvimento dos alunos no trabalho está relacionado com a forma como os professores gerem as estruturas da sala de aula, mais do que com a forma como lidam com comportamentos individuais (Doyle, 1986).
De acordo com a perspectiva de que o comportamento dos alunos é, em grande medida, uma resposta aos níveis estruturais e exigências do ambiente, nas salas de aula, às atividades e tarefas que têm de realizar, torna-se necessário compreender como todos estes fatores se interligam.
Uma das interpretações é dada pela perspectiva ecológica, para a qual a sala de aula é um cenário comportamental, isto é, uma unidade eco-comportamental composta por segmentos que rodeiam e regulam o comportamento. Tal concepção implica que o fluxo das atividades contenha uma duração temporal (limites temporais de duração), um formato físico (materiais disponíveis e arranjo dos participantes no espaço), um programa de ação para os participantes, e um conteúdo focal (tema ou preocupação central do segmento). Deste modo, os segmentos organizam-se em torno das atividades reconhecendo-se que estas são a unidade básica da organização da sala de aula, pese o fato de outros segmentos nela acontecerem, como refere Doyle (1986), quando menciona a existência de quatro níveis estruturais: a sessão da classe (unidade de tempo definida pelo sinal de entrada e saída das sala de aula, para o intervalo, almoço ou casa); a lição (conjunto de atividades reunido por um conteúdo focal comum); a atividade (padrão distintivo de organização dos alunos para trabalharem numa unidade de tempo dentro da lição); e a rotina (programa de ação suplementar que gere os assuntos de manutenção da sala de aula).

Os referidos níveis estruturais podem assumir formas diversas, sendo as mais referenciadas a recitação (resposta dos alunos à pergunta do professor, que se relaciona com uma forma específica de organização de falar, facultada pelo levantar do braço); o trabalho no lugar (pode ser trabalho supervisionado e/ou trabalho independente), que favorece a autonomia dos alunos, podendo, no entanto, levantar problemas de gestão e organização da sala de aula se o professor não for suficientemente atento, ou não fizer o scanning da aula; o trabalho em pequenos grupos; as transições (nas mudanças de contexto). O professor será considerado bom gestor quando marca com clareza o seu início e é capaz de as implementar ativamente de forma suave, sem provocar grandes rupturas, possibilitando que a ordem se estabeleça com brevidade. Podemos distinguir as transições menores ¾ quando fala um aluno e depois outro ¾ das maiores ¾ que são as que ocorrem entre atividades ou fases de uma lição. Há ainda a considerar as interrupções, que são acontecimentos extra-lições, as quais podem provir de dentro, interrupções internas, ou de fora, interrupções externas.
Uma vez a ordem instaurada na sala de aula, os alunos seguem, dentro de limites aceitáveis, o programa de ação previsto e necessário para que determinado acontecimento ocorra. Deste modo, a ordem difere consoante os diferentes tipos de atividades, evidenciando-se em contextos específicos, que o professor desenvolve. Portanto, a ordem na sala de aula exprime a função de gestão do ensino e, segundo este ponto de vista, materializa-se no contexto em que está a ocorrer, sendo fruto das interações decorrentes dos participantes e dos arranjos elaborados para os fins previstos, pelo que pode ser, em última instância, considerada de natureza eminentemente social.

A ordem apresenta-se, entretanto, como uma das condições para a cooperação dos alunos, sendo esta o requisito mínimo para o bom funcionamento das atividades. Construto social, a cooperação reflete a necessidade de as atividades na sala de aula serem construídas pelos participantes, que assumem assim uma atitude de envolvimento ativo no programa de ação. Tal envolvimento pode não existir sem que, por tal motivo, seja posta a ordem em causa. Na verdade, o envolvimento passivo pode não gerar a desordem, mas não compromete cooperativamente os alunos, que só quando majoritariamente envolvidos criam condições de sucesso da atividade.
O envolvimento dos alunos nas tarefas acadêmicas e a ordem na sala de aula podem também ser influenciados pela natureza das matérias. De fato, vários autores chamam a atenção para a importância da compreensão e gosto da matéria pelos alunos, como fator da diminuição do risco de desordem na sala de aula. O nível de exigência do trabalho acadêmico pode ser também fator contributivo para o aumento dos comportamentos disruptivos. Efetivamente, quando o trabalho acadêmico envolve um nível superior de processos cognitivos, como a compreensão, raciocínio e formulação de problemas, gera ambigüidades e riscos para os alunos. Como reação a tal situação, os alunos tendem a aumentar a clareza das especificações por parte do professor, contribuindo assim para uma diminuição do fluxo da instrução, reduzindo o envolvimento no trabalho e contribuindo para a indisciplina na classe. Pelo contrário, tarefas simples envolvendo operações mentais menos complexas e mais aglutinadoras, provocam maior adesão à aula e menos resistência ao trabalho acadêmico. Nem sempre é fácil criar atividades de aprendizagem que interessem, simultaneamente, os alunos mais capazes e os menos capazes. (Arends, 1995:122).
Este interesse dos alunos na atividade pode também ser influenciado pelo contexto da sala de aula que com as suas propriedades específicas, acaba por influenciar os participantes. Entre estas características, podemos realçar, segundo Doyle (1977, 1980, 1986) a multidimensionalidade, a simultaneidade, a imediaticidade, a imprevisibilidade, a publicidade e a historicidade, já anteriormente referidas.
A multidimensionalidade refere-se à grande quantidade de acontecimentos e tarefas na sala de aula que, devido ao número dos alunos, implicam uma programação, planificação e orquestração adequadas. Por seu lado, a simultaneidade reflete o grande número de acontecimentos que acontecem ao mesmo tempo na sala e aos quais o professor tem de prestar a devida atenção. Enquanto dá apoio individualizado a um aluno, o professor não pode perder de vista os restantes, não deixando criar interrupções. A imediaticidade expressa a rapidez com que fluem os acontecimentos, o que nem sempre facilita a reflexão do professor sobre os mesmos. Quanto à imprevisibilidade, refere-se ao rumo inesperado que muitas vezes tomam os acontecimentos e as interações. A publicidade tem a ver com o fato de as salas de aula serem lugares públicos, onde as regras e valores são julgados por todos. A não atuação por parte do professor face a um comportamento disruptivo pode levar os alunos à reincidência ou desenvolvimento do mesmo. No que se refere à historicidade, ela reflete as vivências comuns que a classe adquire pelo fato de viver conjuntamente durante toda a semana.
Estas características apontadas por Doyle refletem-se no contexto da sala de aula, influenciando os comportamentos, quer dos professores, quer dos próprios alunos. Neste contexto sobressaem ainda a organização do espaço físico e a forma de supervisão (individual ou grupal). O rendimento dos alunos pode ser afetado pela proximidade ou distanciamento do professor, gerando-se, com o aumento espacial entre eles, um decréscimo de rendimento nas atividades e um crescendo de comportamentos disruptivos.
Outro fator que influencia o comportamento dos alunos é a existência das regras. Na verdade, da sua compreensão e legitimidade decorre, em grande parte, a sua aceitação, permitindo assim que elas desempenhem um papel de regulador funcional. De fato, ao estabelecerem as condições para a instrução, ou ao restabelecê-las, quando são quebradas, regulam as condições de harmonização do sistema normativo com o sistema produtivo na sala de aula (Estrela, 1992:52). Quando existe harmonia entre os dois sistemas, um acaba por reforçar o outro. Esta harmonia acaba por ser desrespeitada, quando as regras subjacentes a cada formato de atividades ou não são devidamente definidas, ou não consideram os contextos em que se vai desenrolar a atividade. Geram-se assim comportamentos desviantes, desrespeitantes da ordem, cujo grau depende também da força do vetor primário e do tempo de intervenção que ocorre antes do vetor secundário ter ganho força.
Ao professor eficaz cabe criar a ordem, estabelecendo atividades, antecipando os maus comportamentos e cerceando-os, quando surgem (Doyle, 1986:421). Compete-lhe criar ambientes produtivos, na consciencialização de que a ordem, mais do que imposta, tem de ser vivida, construída, no microssistema da sala de aula. É nesta consciência que se começará por ser complacente com a regra, cooperante com ela, decidindo-se, em última análise, aceitá-la, adotando-a!

Bibliografia
ARENDS, I. Richard. (1995). Aprender a Ensinar. Amadora: McGraw-Hill de Portugal.
DOYLE, W. (1986). Classroom Organization and Management. In Witrock, M. (ed.). Handbook of Research of Teaching. New York: Mc Millan.
ESTRELA, Maria Teresa. (1992). Relação Pedagógica, Disciplina e Indisciplina na Aula. Porto: Porto Editora.
PORTUGAL, Gabriela. (1992). Ecologia e Desenvolvimento Humano em Bronfenbrenner. Aveiro: Cidine.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA - UFSM
NÚCLEO DISCIPLINAR: EDUCAÇÃO PARA INTEGRAÇÃO


APRENDIZAGEM DE CONTEÚDOS POR MEIO DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

Evanir Neri Valigura evaligura@gmail.com
Drª. Estela Maris Giordani estelagiordani@smail.ufsm.br
Palavras chave: Transposição Didática, Analogia, Ensino-Aprendizagem
Palabras Clave: Tranposición Didáctica, Analogía, Enseñanza-Aprendizaje


1 TRANSFORMANDO O SABER EM SABER A ENSINAR
Nosso objetivo com esse trabalho é demonstrar, na forma de ensaio, um estudo de um exemplo de transposição didática que pode ser realizado utilizando o Livro “Alice no País do Quantum” de Robert Gilmore (1998). Esta história se desenvolve a partir de alguns conteúdos de Mecânica Quântica. Inicialmente faremos um esclarecimento a respeito da transposição didática e, em seguida passamos a trabalhá-la numa teoria complexa: a Mecânica Quântica.
A escola, dentre suas principais funções, tem o papel da transmissão de conhecimentos produzidos pela humanidade. Moran (2000:24), compreende que “o conhecimento se dá fundamentalmente no processo de interação, de comunicação”. Os conhecimentos científicos na medida em que são elaborados, passam por processos de codificação, sendo que os processos didáticos devem considerar os códigos científicos. Contudo, tais códigos passam por uma decodificação ou transposição para ser apreendida pelos alunos.
Para ocorrer a transmissão ou comunicação, se faz necessário que o conhecimento seja transformado. O processo de transformação do conhecimento coloca diversas problemáticas, dentre elas, a diferença entre os elementos do conhecimento produzido e do conhecimento a ser aprendido (PINHO ALVES, 2001) estabelecendo uma ruptura entre o conhecimento trabalhado na escola aquele produzido originalmente.
Segundo Chevallard (1991:31 apud PINHO ALVES, 2001), a transposição didática é entendida como um processo, no qual, “Um conteúdo do saber que foi designado como saber a ensinar sofre a partir daí, um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto para ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O trabalho que transforma um objeto do saber a ensinar em um objeto de ensino é denominado de Transposição Didática”.
Um grande desafio do professor é transformar um conhecimento científico em um conteúdo didático. De fato, teorias complexas, sem perder suas propriedades e características, precisam ser transformadas para serem assimiladas pelos alunos. Assim, a transposição didática pode ser concebida como um conjunto de ações transformadoras que tornam um saber sábio em saber ensinável. “Um processo transformador exige a determinação ou adoção de um ponto de partida ou ponto de referência. O ponto de referência ou o ‘saber de referência’ adotado é o saber produzido pelos cientistas, de acordo com as regras do estatuto da comunidade à qual pertence” (idem, p. 20).
No ambiente escolar, o ensino do saber sábio se apresenta no formato do que se denomina de conteúdo ou conhecimento científico escolar. Este conteúdo escolar não é o saber sábio original, ele não é ensinado no formato original publicado pelo cientista, como também não é uma mera simplificação deste. O conteúdo escolar é um “objeto didático” produto de um conjunto de transformações. [...]. Após ser submetido ao processo transformador da transposição didática, o “saber sábio” regido agora por outro estatuto, passa a constituir o “saber a ensinar” (PINHO ALVES, 2001, p. 21).
O saber a ensinar é aquele entendido como conteúdo escolar ou como programa escolar. Este autor entende que existe uma segunda transposição didática, ou seja, o conteúdo presente nos livros e materiais didáticos ao serem ensinados também são transformados.
Conforme Pinho Alves (2001), o saber científico foi desenvolvido e publicado ao longo de muitos anos por muitos personagens. Passou pela crítica, reformulações, aceitações e legitimação de outros cientistas. Tomamos a Mecânica Quântica como exemplo de saber sábio. “O início da física moderna foi marcado pela extraordinária proeza intelectual de um homem: Albert Einstein” (CAPRA, 2005: 70). Em dois artigos, publicados em 1905, esse autor desenvolveu duas tendências revolucionárias no pensamento científico: 1) a teoria especial da relatividade; 2) um novo modo de considerar a radiação eletromagnética – que se tornaria a característica da teoria quântica, teoria dos fenômenos atômicos. Contudo, apenas 20 anos mais tarde, uma equipe de físicos elabora a teoria quântica.
Ou seja, segundo Pinho Alves (2001) “o saber a ensinar é entendido como um novo saber, sua estrutura de origem está localizada fora do contexto acadêmico produtor do saber sábio. Dessa forma, para que na integração entre objetos de ensino não haja prevalência de conceitos sem significado, é recomendado o uso das diferentes fontes de referência, que inspiram e estabelecem a legitimação de um saber” (p. 23).
O autor ainda afirma que “inserido em um discurso didático com regras próprias, assim como o saber sábio é submetido a regras e linguagem específicas, o saber a ensinar também tem suas próprias regras, além das práticas sociais de referência que se fazem presentes no processo de transposição. Para se tornar saber a ensinar, é necessário que o saber sábio sofra uma espécie de degradação (CHEVALLARD, 1991:47, apud PINHO ALVES, 2001), durante a qual ocorre a perda do contexto original de sua produção através de um processo de descontextualização. O saber é dividido em partes, separado do problema e do contexto que o originou, para permitir uma reorganização e reestruturação de um novo saber, intrinsecamente diferente do saber que lhe serviu de referência” (p. 26).
2 A ANALOGIA DE ALICE NO PAÍS DO QUANTUM
Na primeira metade do século XX, nossa compreensão do Universo foi virada de pernas para o ar. As antigas teorias clássicas da Física foram substituídas por uma nova maneira de ver o mundo, a Mecânica Quântica. “Esta estava em desacordo, sob vários aspectos, com as idéias da antiga mecânica newtoniana, na verdade, sob vários aspectos, estava em desacordo com o senso comum. Entretanto a coisa mais estranha sobre estas teorias é o seu extraordinário sucesso em prever o comportamento observado dos sistemas físicos” (GILMOR, 1998:7).
Consideramos um fragmento de texto do livro: “Alice no País do Quantum” para ser utilizado na transposição didática, páginas 11 a 15 e 19. Trata-se de definições de partículas e elétrons e de como melhor e mais facilmente entendê-las.
Alice era uma menina que estava entediada, vendo televisão. Naquela tarde já tinha assistido o quinto episódio do mesmo seriado. Quando olha para o chão, vê o livro “Alice no País das Maravilhas”, que havia lido anteriormente, e tinha deixado pelo chão ao acabar de ler. “Queria ser a como a outra Alice” e descobrir o caminho para uma terra cheia de seres interessantes e acontecimentos estranhos. “Se houvesse algum jeito de encolher para flutuar através da tela da televisão, talvez eu pudesse encontrar várias dessas coisas fascinantes”.
Quando se deu por conta, estava mergulhada em um mundo fantástico cheio de pontinhos brilhantes que dançavam de uma direção para a outra. Ela estava no mundo atômico, envolta em uma névoa muito densa, que nem podia se ver, apenas queria saber onde estava. Foi quando viu que chegou a um lugar sólido e plano onde os pontinhos começavam a sumir e percebeu que esta cercada por formas indefinidas. Olhou para a forma que estava mais próxima e observou que ela era da altura da sua cintura no máximo e muito difícil defini-la e visualiza-la, pois ficava se movendo de direção para outra.
A forma parecia estar carregando uma bengala ou um guarda-chuva fechado, que ficava apontado para cima. Alice apresentou-se educadamente. “Eu sou a Alice. E você, posso saber quem é”? “Eu sou o elétron spin para cima”, disse a forma. Alice pediu para que ele parasse de se mover um pouco, para que ela o visualiza-se com mais clareza. Embora receoso de que não houvesse espaço suficiente, ele tentou de qualquer forma. Assim que passou a diminuir a sua taxa de agitação, mais se expandia para os lados e mais difuso ficava. Naquele momento, apesar de não mover-se tão rapidamente, ele estava tão indefinido e tão fora de foco que Alice não conseguia vê-lo com mais clareza do que antes. “Isto é o melhor que posso fazer”, resfolegou o elétron. “Receio que mais lentamente eu me mover, mais espalhado eu fico. As coisas são assim aqui no País do Quantum: quanto menos espaço você ocupa, mais rápido você tem de se mover. É uma das regras e não há o que fazer”.
“Realmente não há espaço para diminuir a velocidade por aqui”, continuou o elétron. Os elétrons são muito pequenos e completamente idênticos uns aos outros, não apresentam características particulares. De fato, eles têm algum tipo de rotação, apesar de não ser possível dizer exatamente qual é que está em rotação. Uma característica peculiar é a que todos giram à mesma taxa, não importando em que direção a rotação é medida. A única diferença é que uns giram numa direção e outros giram na direção oposta. Dependendo da sua direção da rotação, os elétrons são conhecidos como spin - para cima ou spin - para baixo.
“Que seres estranhos”, pensou Alice. “Acho que nunca conseguirei ver como realmente são de verdade já que não param quietos e nada indica que um dia pararão.” Porque não parecia ser possível fazê-los se moverem mais devagar.
Alice então pergunta onde estão?
- “Numa estação férrea, é claro”. Respondeu alegremente um dos elétrons. Difícil era saber quem tinha falado, pois todos eram muito parecidos. “Vamos pegar o trem de ondas para aquela tela que você vê. Acredito que você vai pegar o expresso fóton, se quiser ir mais longe”. “Está falando da tela da TV?”, Alice perguntou. “Ora essa, é claro”, disse bem alto, um elétron. “Venha! Temos que embarcar, o trem já está aqui”.
De fato, Alice pode ver uma fila de pequenos vagões alinhados na estação. Eram todos bem pequenos, alguns estavam vazios, outros estavam ocupados por um elétron e, outros ainda, por dois elétrons. Os vagões se enchiam rapidamente e Alice percebeu que nenhum vagão levava mais de dois elétrons, pois, quando passavam por perto outros vagões, os ocupados por dois, gritavam: “Lotado, lotado!”.
“Vocês não poderiam espremer mais do que dois elétrons em um vagão, estando o trem assim tão cheio?”, perguntou Alice a seus companheiros. “Oh, não! Nunca além de dois elétrons juntos, esta é a regra. Acho que teremos de ocupar vagões diferentes”, disse Alice, um pouco contrariada, mas o elétron a tranqüilizou. “Você não é problema algum! Você pode entrar no vagão que quiser, é claro! – Não vejo como isso será possível”, respondeu Alice. “Se o vagão estiver cheio demais para vocês, com certeza não haverá espaço para mim também.”
“De jeito nenhum! Os vagões só podem acomodar dois elétrons, por isso os lugares para elétrons devem estar quase todos tomados, mas você não é um elétron! Não há nenhuma outra Alice no trem, então há espaço mais do que suficiente para uma Alice em qualquer um dos vagões.”
Alice não entendia tudo o que o elétron dizia. “É este aqui?”, perguntou ela ao seu companheiro. “Aqui tem um vagão com um elétron só. Dá para você entrar aqui?”. “Claro que não!” ele disparou, horrorizado. “Este também é um elétron spin para cima. Não posso dividir um vagão com outro elétron spin para cima. Que sugestão! É totalmente contra meu princípio.” “O que quer dizer contra os seus princípios? Alice perguntou.
“Quero dizer aquilo que disse. Contra meu princípio, ou melhor, contra o princípio de Pauli, que proíbe dois de nós, elétrons, façamos a mesma coisa ao mesmo tempo, o que inclui ocupar o mesmo espaço e ter o mesmo spin”, ele respondeu ofendido.

3 ANALOGIAS COMO TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
Na viagem de Alice até aqui, podemos enunciar pelo menos dois princípios: o da Incerteza de Heisenberg e o de Pauli. O Princípio de Incerteza de Heisenberg diz que nenhuma partícula pode ter valores bem definidos para posição e velocidade ao mesmo tempo. Isto significa que uma partícula não pode permanecer estacionária numa determinada posição, já que, uma partícula estacionária tem uma velocidade definida de valor zero.
O Princípio de Pauli diz: “Elétrons são absolutamente idênticos e obedecem a esse princípio de exclusão, que impede que haja mais do que um elétron no mesmo estado ou dois, quando você inclui as diferentes direções possíveis para o spin. É uma lei que se aplica quando existem muitas partículas completamente idênticas em todos os aspectos”.
O livro “Alice no País do Quantum” é uma alegoria da física quântica, no sentido dicionarizado de “uma narrativa que descreve um assunto sob disfarce de outro”. O modo como as coisas se comportam na Mecânica Quântica parece muito estranho para nossa maneira habitual de pensar e, torna-se mais aceitável quando fazemos analogias em situações com as quais estamos mais familiarizados, mesmo quando essas analogias possam ser inexatas (GILMORE, 1998: 7).
A analogia não é uma representação verdadeira da realidade na medida em que os processos quânticos são de fato bastante diferentes de nossa experiência ordinária. Uma alegoria é uma analogia expandida, ou uma série de analogias. No livro, os lugares por onde Alice viaja se parece mais com um parque temático no qual às vezes ela assume o papel de observadora e outras vezes se comporta como se fosse uma espécie de partícula cuja carga elétrica pode variar.
O país do Quantum mostra os aspectos essenciais do Mundo Quântico: o mundo que todos nós habitamos. A maioria da história é ficção e os personagens são imaginários embora as notas que descrevem o “mundo real” sejam verdadeiras. Nas narrativas, encontramos muitas afirmações obviamente absurdas e bastante divergentes do senso comum, porém na maioria das vezes são verdadeiras.
Vários aspectos pelos quais a teoria quântica descreve o mundo podem parecer absurdo à primeira vista e possivelmente podem assim parecer da segunda, terceira até a enésima vez. A antiga mecânica clássica de Newton é incapaz de qualquer tipo de explicação para os átomos e outros micros sistemas. É impossível enfatizar o suficientemente o notável sucesso prático da mecânica quântica. Embora o resultado de uma medida possa ser aleatório e imprevisível, as previsões da teoria se ajustam aos resultados médios obtidos a partir de muitas medidas.
A teoria quântica foi desenvolvida para explicar observações feitas nos átomos. Desde sua concepção, foi aplicada com sucesso ao núcleo atômico, à interação forte de partículas que provem do núcleo e ao comportamento dos quarks dos quais são compostas. Já a aplicação foi estendida por um fator de algo de cem bilhões. Os sistemas considerados tanto diminuíram em tamanho como aumentam em energia por esse fator.
Esta história é uma metáfora e exemplifica como as teorias complexas podem se transformar em formas simples sem com isso perder as suas características ou sofrer distorções em relação ao universo dos conhecimentos científicos. O rigor teórico é conservado na história e a todo o momento implicam a sua compreensão. De modo que, tanto o professor pode partir da teoria quanto da analogia pois necessariamente uma porta a outra. Este movimento implica a vigilância epistemológica no processo de transposição (GRILLO et all.; 2001).
Analogia, conforme Houaiss (2004), significa “relação ou semelhança entre as coisas ou fatos [...] do lat. Proporção matemática, correspondência, está em relação com” (p. 202). Assim, as analogias são formas de transposição didática. Estando consciente da transposição didática, cabe a quem utiliza-la a tarefa de criar um “cenário” menos redutivo ao dogmatismo apresentado pelos livros-didáticos e minimizar a diferença entre o tempo de ensino e o tempo de aprendizagem deste objeto ensinado.
Na diversão propiciada pela história de Alice encontramos representações complexas do mundo que nos cerca. Utilizando do recurso didático da História de Alice o professor de Física pode de modo lúdico e sensível conduzir os alunos a viagem que Alice fez descobrindo o mundo a partir da mecânica quântica. Essa analogia é um instrumento que pode mediar e facilitar as aprendizagens dos alunos. Desenvolver essas mediações pedagógicas para as aprendizagens de saberes científicos é papel tanto da Didática como de cada profissional da educação. O desenvolvimento de instrumentos assim, requer não apenas um profundo conhecimento teórico mas, sobretudo, implica uma práxis profissional maturada existencialmente como problemática a ser enfrentada no sentido de existir e de se constituir um profissional da educação.
A transpor significa conforme Houaiss (2004) “passar além de, deixar para trás (um limite); ultrapassar” (p. 2753). Além disso, pode ter o sentido de tradução, transferência, transplante ou transporte. Esse significado apela para o sentido de uma passagem de uma categoria a outra implicando a comunicação ou ligação com uma adaptação no sentido de superar. Entendemos que esta passagem deve permitir a reversibilidade entre realidade, representação e teoria (MENEGHETTI, 2004).
Entre a realidade e símbolo existe uma mediação pedagógica a ser construída pelo professor e pelo aluno. Esta mediação entre os processos da construção do pensamento prático, simbólico e lógico-formal, implica um percurso de possibilidades múltiplas e até contraditórias. E, quem faz a condução desses processos é um profissional da educação que é pessoa. Esta pessoa é uma referência interveniente no processo de transformação ou mediação entre o real e a linguagem científica e vice-versa.
É importante observar que ao mesmo tempo em que a analogia de Alice no País do Quantum é um instrumento de transformação e de transposição de um saber científico a um saber ensinável também supõem a transformação do aluno e do professor do saber ensinável ao saber científico e destes para a realidade. Desta forma, a analogia não é usada em si mesma, mas como mediadora de um saber complexo que, muito embora inicialmente seja transposto para uma forma mais simples para ser decodificada necessita da compreensão de pelo menos alguns dos elementos que compõem a complexidade teórica de que faz parte bem como ser relacionada com situações concretas do mundo em que vivemos. Por isso, tanto o professor quanto o aluno, com a analogia, são impulsionados a desenvolverem as transformações necessárias entre analogia, teoria e realidade.


REFERÊNCIAS

CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 2005.
GILMORE, Robert. Alice no País do Quantum: uma analogia da Física Quântica/Robert Gilmore; tradução André Penido; revisão técnica Ildeu de Castro Moreira. Rio de Janeiro: Jorge Zahaar Editora, 1998.
GRILLO, M. et all. Conhecimento escolar e transposição didática: o posicionamento de professores. In: FERNANDES, C. M. B. e GRILLO, M. (orgs.). Ensino Superior: travessias e atravessamentos. Canoas, ULBRA, 2001.
HOUAISS, A. e VILLAR, M. S. Dicionário Hoaiss de Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
MENEGHETTI, A. Manual de Ontopsicologia. 2ª ed. Recanto Maestro: Ontopsicologógica Editrice, 2004.
MORAN, J. M. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas. In: MORAN, J. M.; MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2002.
PINHO ALVES, J. Regras da Transposição Didática aplicada ao Laboratório Didático. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 17. nº 2. Agosto 2000. p. 174-188.

quarta-feira, 18 de março de 2009

FATOR DISCIPLINAR EM SALA DE AULA


Por: Perillo José Sabino Nunes


A AULA PRÁTICA E A DISCIPLINA


Quando falamos em aulas práticas como coadjuvantes no processo de aprendizagem, nos vem à mente, o laboratório com seus materiais, sua aura de mistério, porque laboratório lembra sempre isso. Mas falar em aulas práticas lembra também de disciplina, de rigor, capacidade de observação. Este é nosso objetivo, neste momento: falar da disciplina e sua importância para que a aula prática, seja no laboratório ou no campo se transcorra de forma segura e eficaz.
O laboratório de Ciências, Biologia, Física e Química é o lugar por excelência da aula prática. Como temos que falar dessas atividades, não podemos nos furtar de falar do seu espaço, que não precisa, necessariamente, ser o laboratório tal e qual imaginado por muitos. Os alunos entendem que para experiências das matérias objeto de nossa discussão, a cozinha de casa serve, principalmente para aqueles que se encontram no Ensino Fundamental, que estudam o ciclo da água, por exemplo. O pátio da escola também se constitui num excelente espaço não só para o estudo das ciências exatas e da natureza, mas também das ciências humanas, dentro do campo da Psicologia e Sociologia, ao se observar a interação dos alunos entre si e com os demais atores que participam do processo ensino-aprendizagem, como professores e funcionários.
Assim, seja em campo, observando a ocorrência de fatos, de comportamentos, contando, anotando, ouvindo, filmando, gravando ou mesmo no laboratório, manipulando materiais e produtos que podem ser danosos à saúde própria e alheia, o aluno ou outra pessoa qualquer precisa ter a atenção voltada para suas atividades, evitando assim, acidentes que podem ter conseqüências não só para o resultado de seus trabalhos, mas também para sua pesquisa. O mais perigoso, no entanto, diz respeito à sua saúde, mesmo que esteja trabalhando na cozinha de casa. Geralmente, para evitar transtornos mais graves, são colocados em pontos estratégicos, materiais que ajudam no socorro em acidentes no laboratório, bem como instruções que são repassadas periodicamente, como folhetos fixados em móveis, recomendando os cuidados adotados em atividades laboratoriais e folhetos ensinando normas de primeiros-socorros em caso de acidentes, prevenção de acidentes provocado por fogo derivado de reagentes inflamáveis, roupas em chamas, queimaduras gerais, queimaduras por fogo, produtos químicos nos olhos, ácidos e álcalis na pele, queimadura de bromo, substâncias orgânicas e cortes.

Observa-se, desse modo, a preocupação com o fator segurança dos alunos e demais participantes do processo ensino-aprendizagem quando este ocorre em um ambiente de laboratório ou mesmo quando o trabalho se desenvolve em campo, principalmente na Biologia, pois ali também podem ocorrer acidentes que podem levar perigos sérios.
Desse modo, enfatizamos sempre as ações que levem à segurança própria e do grupo com quem se trabalha no laboratório ou no campo. Isto demanda uma certa disciplina, que nos dias atuais, apesar de todas as recomendações, nos faz perceber jovens com disposições instáveis para o trabalho como para o estudo[1]. Eles não possuem o que poderíamos chamar de capital cultural, que produz as disposições estáveis para o trabalho e o estudo. Ou seja, capacidade de se concentrar numa atividade por algum tempo. Observa-se que a maioria desses jovens vêm de famílias cujo padrão ou capital cultural é baixo, o que faz com que não exijam deles posturas adequadas para o estudo, trabalho e até mesmo para a convivência social. Vemos muitos jovens cujo corpo está na sala de aula, mas a mente não. Viaja para além dos muros da escola e talvez vão até mais longe, à zona rural, pois muitos sonham com a vida nesse ambiente, "liberdade", ação, sempre sobre um animal bravio, numa ilusão vista na tevê ou mesmo nas festas agropecuárias regionais. As aulas são chatas e muitas vezes são mesmo, mas é preciso que o estudante tenha olhos e mente voltados para seu fazer educacional, pois está em jogo não só sua segurança física no presente através da disciplina corporal e mental[2], mas também o seu futuro.
A seguir, mostraremos os resultados obtidos com nossas observações em dois grupos, atuando em sala de aula e numa reunião, na escola.

A EXPERIÊNCIA

Falar de disciplina e indisciplina é falar das relações sociais, dos fatos sociais vividos no dia-a-dia, seja no mundo escolar, seja no mundo externo à escola. Assim, pretende-se aqui esboçar a idéia da disciplina enquanto relação das pessoas entre si para compreender as posições de alunos, e principalmente professores. Assim, é preciso saber o que os alunos e professores pensam sobre a questão da disciplina e indisciplina. Não esquecendo, entretanto, que os pais, a família, constituem um importante grupo na formação educacional de jovens e adolescentes. O trabalho fica dividido então, em duas fases diferentes, sendo que a primeira envolve os alunos e a segunda envolve os professores, cada grupo explicando suas concepções sobre o tema proposto.

a) Os alunos

O trabalho tem início, tendo o primeiro grupo em sala de aula.
Pergunta-se aos alunos o que eles pensam sobre a questão da disciplina. Ficam por um momento em dúvida. Se olham; olham o professor; dão sorrisos; uma aluna fala: "Disciplina... que disciplina, professor?" Ao que lhe é dito: é aquela disciplina relacionada ao comportamento, às relações humanas na escola, em casa, no trabalho... ela diz: "Ah! É isso?"
Pede-se que elaborem um texto e que coloquem nele tudo que pensam sobre disciplina e indisciplina. Alguns manifestam dúvidas naturais à idade, outros perguntam se "disciplina tem s entre o i e o c", o professor diz que sim e aguarda que todos, compenetrados, escrevam o que pensam com toda a liberdade. Daí a pouco começam a chegar às suas mãos textos escritos a lápis e a caneta, uns com três linhas, outros com duas páginas. Alguns demonstram não saber claramente o que é disciplina, porque arrancam as folhas do caderno de qualquer jeito para entregar ao professor. Mas o objetivo é este mesmo: saber até que ponto vão seus conceitos de disciplina em um dado momento, que em Física é chamado de instante q (ou S = q)[5]. Observa-se que apesar de não demonstrarem, todos, cada um à sua maneira, têm suas concepções de disciplina.
Cada caderno, cada folha com o texto escrito mostra o grau de disciplina de cada um deles, seja pela organização, seja pela qualidade do conteúdo escrito. Camila, por exemplo, diz que disciplina

"é algo que devemos desenvolver ao longo de nosso crescimento e faz parte da educação que recebemos em casa, na escola e em nosso dia-a-dia, mas afinal o que é disciplina? Já ouvimos falar que disciplina nós só aprendemos em casa, mas nós aprendemos vivendo, em nosso cotidiano. Essa palavra é sinônimo de organização, responsabilidade e principalmente educação. Nós somos educados para respeitar o próximo, para lutarmos por nossos ideais, aprendermos com cada situação. A escola é o melhor lugar para se aprender sobre disciplina, ordem, se comportar diante de situações, ocasiões, pessoas; ser disciplinado é saber ter atitudes certas nas horas certas, como por exemplo, na hora de estudar - estudar -, na hora do lazer - lazer -, além de saber falar na hora certa, não sendo inconveniente. Pessoas que são indisciplinadas são aquelas que não terão um futuro muito bom, pois de nada adianta uma pessoa inteligente mas mal educada, a disciplina é o básico; a disciplina é o nosso dever e o nosso direito."

Observa-se pelo texto desta aluna como sua concepção de disciplina é rigoroso, apesar dela mesma não se mostrar assim na sua produção intelectual, quanto à qualidade estética deste material. Leila, outra aluna da mesma turma, diz que

"Ser disciplinado é você saber se portar na sociedade, respeitando e dando oportunidade a outras pessoas. No mundo em que vivemos ser uma pessoa disciplinada já é um grande passo para ter sucesso, viver em paz com todos é sinal de fraternidade, de pessoa amigável. Isso não só dentro da escola, mas em todo lugar em que freqüentamos. A dignidade também é sinônimo de disciplina, portanto quem não a possui não é bem visto na sociedade."

Neste caso também, vemos uma teoria que não é praticada pela aluna, pois ela mesma não buscou dar maior qualidade àquilo que escreveu, não que não pudesse, não soubesse, mas porque faltou prática na aplicação de sua teoria. A aluna Alpalice, mais organizada, diz que disciplina, organização são

"necessários no meio social em que vivemos. Na escola, onde convivem crianças e adolescentes, é fundamental disciplina e organização, pois parar para ouvir o professor explicar, entregar os trabalhos e tarefas na hora certa é um passo para iniciar a responsabilidade do futuro. Já disciplina social também exige organizar-se, desde pontualidade em serviços, eventos e compromissos com amigos. Cada lugar exige de nós o respeito e a reverência compatível com ele, a isso podemos chamar de disciplina. A forma de exigirmos respeito dos outros é respeitá-los também, ouvindo e sabendo falar na hora certa."

A maioria dos alunos se repetem, uns com mais capricho que os outros, mas no fundo, a preocupação é a mesma: saber ouvir, saber respeitar, saber se controlar, ser organizado, ser educado. Fabiana, porém, diz que disciplina

"é a arte do comportamento com os companheiros, da organização consigo mesmo, ou seja, uma forma de educação. Para se conseguir as coisas na vida, é preciso ter uma boa educação e acima de tudo, disciplina."

A aluna Luciana, por sua vez, diz que disciplina

"não é usada só na escola, como se comportar dentro da sala de aula, mas também é necessário em sociedade. Se pensarmos bem, temos que Ter disciplina em casa, onde se começa a partir da educação dada pelos pais. Depois com os colegas com quem realizamos nossas atividades e é mais cobrada a disciplina que se relaciona ao comportamento das pessoas em sociedade. Se tivermos disciplina, teremos bons cidadãos para formar uma boa sociedade."

Outra aluna (Priscilla) apresentou um texto interessante sobre o assunto, demonstrando, além disso, um alto grau de organização, de disciplina, dizendo além disso, que

"Disciplina é um meio das pessoas serem respeitadas. Deve ter disciplina para os outros, mas para si mesmo, como disciplina moral. Muitas pessoas pensam que ser disciplinado é só ter respeito com os mais velhos e na casa dos outros. Na rua ninguém vai perceber seu comportamento, se você faz malandragem, a maneira de se vestir, dançar, conversar e agir, tudo isso se resume em disciplina. Nas escolas tem alguns que gostam de se aparecer, sendo mal educados e aprontando com os colegas. Escola é um dos principais ambientes onde o respeito deve existir, pois é um lugar em que pessoas de várias idades frequentam todos os dias da semana, é um lugar para as pessoas crescerem e aparecerem de maneira respeitável."

Para Fernanda, disciplina é

"saber conviver bem com as pessoas, cumprir suas responsabilidades, por mais difíceis que sejam, respeitar autoridades e determinados lugares, viver em harmonia com a família, saber medir as palavras. Precisamos viver nossos conceitos de disciplina, não podemos deixá-los numa folha de papel e sim exercê-la para que possamos viver em harmonia com nossos companheiros."

Outra aluna, Natália, diz que

"A disciplina é a arte de viver bem com as outras pessoas. Uma pessoa disciplinada tem mais facilidade em compreender situações diferentes e sabe lidar com os mais diversos tipos de pessoas. Quando se possui disciplina e autocontrole, a pessoa sabe se livrar dos problemas que lhe aparecem. A disciplina além de melhorar a vida da pessoa que a demonstra, melhora também a vida das demais que com ela convivem. Educação e disciplina não são coisas que vêm de berço, mas sim algo que se constrói a cada dia. Por tudo isso é necessário salientar a importância da disciplina em qualquer relação, seja em casa, na escola ou no trabalho, porque assim o convívio será melhor."

Willian nos diz que

"A disciplina é essencial para o ser humano, pois sem ela é quase impossível viver em sociedade. Comenta-se que a disciplina é exercida e aprendida em qualquer lugar, mas é na escola que temos maior convivência com a arte, pois a disciplina entre professores e alunos é algo quase que essencial para a aprendizagem, pois com elas aprendemos a nos comportar, a escutar, a falar e a obedecer [e respeitar] a idéia de cada pessoa. Para que possamos viver em um mundo melhor é necessário a disciplina, para que possamos respeitar o próximo."

Assim, para a maioria do grupo, ser disciplinado é: ser organizado, respeitar os mais velhos bem como aos mais jovens, os lugares que se freqüenta. Uma pessoa não pode se comportar da mesma maneira na praia, na sala de aula e na igreja. São comportamentos diferentes para os diferentes lugares, para esses alunos. As idéias às vezes parecem ser desencontradas, mas no geral não perdem o fio.

b) Os professores

O segundo grupo é o dos professores. Foram observados numa reunião pedagógica cuja temática central era "Disciplina - relações humanas na sala de aula". A coordenadora do evento separou textos sobre o tema, uma quinzena antes de se efetuar o encontro dos professores. Uma minoria leu o material recomendado. Nas discussões que se deram, observou-se algumas contradições, que vindas de professores, tornam-se algo preocupante, pois mostra que mesmo este grupo não vive o que prega. As ações são descoordenadas, não havendo comunicação efetiva em relação ao trabalho pedagógico. Prega-se o trabalho "interdisciplinar", mas a sua efetivação não existe. Vejamos o que é disciplina na visão dos professores, para isto, denominamo-los por letras para evitar mal-estar posteriormente.
A professora (A), nos diz que ser disciplinado

"É ser organizado."

Para outra professora (B), na mesma reunião,

"É saber seguir regras, cumprir com os deveres."

Um professor (C), timidamente, do seu lugar, diz que ser disciplinado

"É saber controlar seus impulsos e respeitar o colega."

Outro (D) diz que

"É respeitar a opinião do colega."

Uma professora (A), diz completando a fala do anterior, que

"cada ambiente exige uma disciplina." (sic)

O professora (E), diz que

"No Ensino Médio os alunos têm dificuldade em perceber o momento certo de cada "coisa". É como se precisassem ter sempre alguém para lembrá-los dos seus deveres. Quando estabelecem o contrato são super-rigorosos consigo mesmos, mas esquecem logo em seguida do que ficou estabelecido."

A professora (D), volta a dizer que

"O que é disciplina para um não o é para o outro. O aluno disciplinado é aquele que pergunta, questiona e não o que fica quieto.

A professora (E) diz que

"Prá mim, indisciplina é uma bagunça generalizada. Disciplina é saber fazer "as coisas" na hora certa."

Uma professora (F), diz que

"Nas suas conversas é que podemos conhecê-los melhor. A indisciplina decorre de não saber entendê-los."

Outra professora afirma que

"É preciso saber de onde nasce a indisciplina. Assim, convém deixar bem claro o que é ser participativo para que não haja indisciplina."

A Coordenadora, por sua vez, afirma que

"Segundo Vygotsky, a disciplina é um objetivo a ser atingido."

Um Professor (G), observa que segundo os sociólogos

"O capital cultural é o que o aluno herda da família, que é a capacidade de se colocar num espaço e nele viver conforme suas regras."

A professora (A), volta a falar, dizendo que

"O aluno indisciplinado é o aluno com problema, seja consigo mesmo ou com sua família. A disciplina prá mim, é ter limites e seguí-los."

É de se perguntar: qual é a diferença que separa as opiniões dos dois grupos? Não se vê nenhuma, em nenhum sentido. E na verdade não deve ter mesmo. O que não é nada animador, é que o grupo de docentes deveria pelo menos ter aprofundado o conteúdo da discussão e isso não aconteceu. Por quê? A questão é que nos moldes em que o professor é formado, inexiste qualquer grau de disciplina. As leituras são feitas sub-repticiamente, através de resumos de origem desconhecida e mal feitos. Reclamam do tempo gasto nessas leituras. Não fazem cursos que abram o campo de visão, que lhes traga uma bagagem cultural que vá além daquela apresentada pelos alunos, pois compreende-se que uns e outros não são iguais no ponto de partida. O mestre sempre caminha à frente do seu aluno em conhecimento, para no ponto de chegada estarem em pé de igualdade, muitas vezes o aluno superando o seu mestre. Isto não deve servir de constrangimento para o educador, antes deve ser motivo de orgulho seu.

Nas páginas a seguir, discutiremos, tomando de empréstimo algumas idéias de autores dos quais já foram feitas referências ao longo deste texto, dando algumas pistas para possíveis soluções disciplinares.


DISCIPLINA COMO FATOR DE RELAÇÕES HUMANAS EM SALA DE AULA

Percebemos que numa sala de aula há dois tipos de poder que se encontram e se confrontam, não na forma de combate direto, mas no desafio às normas, na provocação do outro. Esse confronto se dá de duas formas: de um lado, o professor e de outro os alunos, sendo que a sala se constitui no campo de batalha onde a luta se desencadeia, sem que nenhum dos lados o perceba (às vezes mesmo quem observa de fora), mas ocorre a disputa pelo poder, pelo domínio do espaço, com o professor que ensina as regras lingüísticas de Português, Inglês, Matemática, Física, Química, Biologia, Ética, Religião, Filosofia, Sexualidade, etc., às vezes reprimindo, punindo, afagando, se questionando quanto à sua competência na condução da sala de aula, o que lhe causa profundo mal-estar; e o aluno, que trás consigo uma bagagem externa àquilo que a escola vê como requisito adequado para a educação, além de seus anseios, seus projetos, expectativas. O aluno se sente liberto do "domínio" do pai e da mãe, entrando num mundo totalmente novo e mágico. Na sua cabeça, o que não lembrar pai e mãe, não tem valor para ele, porque só seus genitores têm merecimento do seu respeito, da sua consideração, porém, isto não é de graça, porque eles lhe dão a segurança, o afeto, coisas que não vê nas outras pessoas. Contudo, tenta aprender conteúdos fora da sua realidade, longe de seu mundo. Assim, cochila durante a aula, levanta, anda, conversa, vai ao banheiro, onde se demora, volta, senta, ri, conta piada e não valoriza aquilo que a escola e a sociedade acham que é importante que aprenda neste momento.
Desse confronto entre duas gerações, nascem duas coisas que para a educação tem causado grandes prejuízos: uma é a repressão, que às vezes machuca não só aquele que a sofre, mas também às outras pessoas com quem convive, bem como ao repressor, que na sua avaliação nunca deixa de julgar as suas próprias ações; a outra é consequência natural de ambientes que vivem sob a égide da repressão, que é a rebeldia, a indisciplina, cujo ápice chega às raias da violência física contra professores, colegas e patrimônio público, quando não chega no seio da família, mostrando a falta de controle, respeito e amor às pessoas próximas.
Isto se dá numa visão um tanto quanto foucaultiana, pois segue-se ao vandalismo, a punição, conforme o que prescrevem as "leis", visando a restauração da ordem, e como esta vai ser feita, depende do momento vivido, da cultura que predomina, porque o poder do professor, da escola é aparente, cabendo-lhes a tarefa de, invés de punir, à moda antiga, persuadir para a não-violência, para a paz, para a educação do corpo e do espírito, enfim; tarefa complicada, tendo em vista o despreparo que os educadores às vezes têm para assuntos que vão além dos seus conteúdos, das suas disciplinas, bem como a própria família tem tido pouco para ajudar, por causa do seu baixo capital cultural, o que não dá ao jovem uma disposição estável para o trabalho e o estudo, idéia que encontramos nos trabalhos de Bourdieu, conforme já citado no começo deste texto. Acreditamos que a chave para o controle social da indisciplina está na aquisição desse capital cultural por parte das famílias, que com certeza passarão a auxiliar os seus jovens nas suas horas de dificuldade, de angústia, de depressão, porque os fatores disciplinares, de rebeldia, consumo desenfreado de drogas, sexualidade permissiva, se deve aos problemas íntimos, afetivos e sem solução de crianças, jovens e adolescentes, que seriam resolvidos através do diálogo entre pais e filhos, tendo como coluna vertebral, a compreensão de ambos os lados.

A seguir, apresentaremos uma proposta de trabalho que visa auxiliar o professor na condução de suas atividades em sala de aula, de modo a não deixar que a indisciplina ocorra.


CIÊNCIAS NATURAIS - APRENDENDO COM PROJETOS

O ensino de ciências naturais por projetos se constitui nas aulas práticas propriamente ditas, fazendo com que o aluno construa o seu conhecimento usando de suas habilidades e ao mesmo tempo desenvolvendo todas as suas potencialidades, tais como leitura, escrita, pesquisa científica, enfatizando os aspectos qualitativos e quantitativos da abordagem cientifica na educação de crianças, jovens e adolescentes.
Os temas variam de áreas como Botânica, Zoologia, Física, Química, Biologia, Ecologia, Geografia, sempre tendo em mente que o aluno deverá elaborar seu projeto de atividade, realizando para isto, leituras sobre os temas solicitados pelo professor, saindo da apatia com que tradicionalmente o estudante é colocado em sala de aula. Um exemplo de aula prática, com projeto simplificado:

TÍTULO:

Movimento Retilíneo Uniforme.

OBJETIVO:

Mostrar as características deste movimento ideal. Chegar à compreensão
do conceito de velocidade uniforme.

MATERIAL:

1,5 mm de trilho de alumínio, em U, usado para segurar vidros em janelas;
Ripa de madeira de 120 x 2 x 5 cm;
Bola de rolamento (sem defeito);
Pedaços de lata de azeite;
Cola;
Relógio que marque os segundos;
5 cm de varinha de antena de TV;
Lixa.

CONSTRUÇÃO:

Cole o trilho à ripa no lado (2 x 120 cm).
- Serre longitudinalmente pelo meio uma varinha de antena de TV.
- Passe um pouco de lixa nos lados serrados e cole-o, de modo que a bola deslize pela valeta da antena e depois pelo trilho.
- Para segurar na tábua corte uma lata e cole-a na tábua e na varinha.
- Marque, a partir de 2 cm da extremidade A do trilho, as distâncias em cm, marcando com números correspondentes.


PROCEDIMENTO:
- Coloque um calço no lado A e experimente várias vezes se a bolinha tem um movimento uniforme; aumente ou diminua o calço até conseguí-lo.
- Uma vez conseguido, largue a bolinha desde a valeta inclinada, procurando um lugar de onde a bolinha não role nem muito devagar nem muito rápido.
- Para coletar os dados da experiência um aluno deve controlar o tempo; outro aluno deve controlar a distância da bolinha e outro aluno encarrega-se de anotar os valores obtidos.
- O aluno controla o tempo com uma batida de caneta, na mesa, em cada 2 segundo que é uma unidade de tempo bastante razoável.
- Quando o segundo aluno ouve a pancada na mesa, diz o valor da distância e o terceiro anota.
- Uma vez obtidos valores aceitáveis fazem-se os gráficos d = f(t) e v = f(t).
- Observar a dificuldade de obter um MRU (ideal). O movimento real aproxima-se mais ou menos do ideal.

Este é um tipo de aula em que o aluno constrói o seu próprio conhecimento, ten-
do o professor como orientador de todo o processo. É interessante, também, desenvolver o hábito nos alunos, de escreverem os relatórios finais de suas atividades, onde eles explicarão, ao final, as conclusões a que chegaram. Com isto, estarão desenvolvendo suas habilidades, o que modernamente chamamos de inteligências múltiplas.
Os casos em que alunos não participem ou por falta de habilidade ou por má vontade, deve-se deixar bem claro onde ocorrerá o prejuízo, pois ainda que modernamente não aceitemos, os processos de avaliação do ensino e aprendizagem ainda continuam válidos, não havendo substituto à altura. Como podemos avaliar a aprendizagem de um aluno que pouco participa, ou quando participa de atividades e experiências o que conseguem fazer é atrapalhar os companheiros? Costumamos deixar bem claro aos nossos alunos que avaliamos os grupos e se um aluno participa pouco, mal ou nada faz, ele está atrapalhando as notas dos demais membros do grupo. Estes farão com que os indisciplinados cooperem, se tornem mais sociáveis pela pressão do próprio grupo e da sociedade em que vivem (a sala de aula).
Mas o essencial na escola, no combate à indisciplina, é que todos os membros dela falem a mesma língua. De nada adianta a direção acreditar que a disciplina se resolve de uma maneira, a coordenação de uma segunda maneira e os professores, que são os construtores reais de todo o processo, de uma terceira maneira. O grupo tem que se unir, afinar o discurso e seguir coesos para que não tenham que usar da coerção tão propalada pelos autores discutidos neste texto e em outros.
Além disso, é preciso que a escola e os pais se unam para juntos, se auxiliarem no Projeto maior, que é a Educação de nossas Crianças, Jovens e Adolescentes.
Concluído em:
03/03/2001.
Por:
Perillo José Sabino Nunes,
E-mail:
perillojose@gmail.com Perillo José Sabino Nunes, mestrando em Educação, pela UFMT.

[1] Conforme BOURDIE, Pierre. A miséria do mundo. 2ª.ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
[2] Conforme FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1991.
[3] Segundo DOS ANJOS, Ivan Gonçalves. Física. São Paulo: IBEP, 2000, "A medida algébrica (positiva ou negativa) do segmento que vai da origem (q) até o ponto considerado representa a posição (ou abscissa) da partícula (neste caso, o saber considerado em um dado momento) e é representada pela letra S."

David Ausubel

Por Alberto Silva

Introdução
Esse texto destina-se aos alunos da área de educação. Ele foi elaborado de modo a representar um resumo sobre toda a teoria de Ausubel, deixando mais claro aqueles pontos que eu considerei mais importantes e relacionando-os com a área de física.
Esse texto baseou-se, fundamentalmente, em dois outros resumos. Por isso ele não é, de forma alguma, um texto extensivo, ou que possa conter toda a teoria de Ausubel. Muito pelo contrário, justamente por ser um resumo de um resumo, ele deve conter apenas o mais essencial da matéria desenvolvida por Ausubel.
Na parte de conceitos básicos eu coloquei, da melhor forma que consegui, uma referência da matéria a ser apresentada no seminário, para ser consultada durante este, ou mesmo depois.
Na parte da bibliografia do autor não foi possível colocar nada, infelizmente, porque não consegui encontrar referência alguma sobre o autor. Sei apenas que o principal trabalho dele foi AUSUBEL, D.P. Educational psychology: a cognitive view. (1st edition) New York, Holt, Rinehart and Winston, 1968. 685p. Ou, mais tarde, AUSUBEL, D.P., NOVAK, J.D., HANESIAN, H. Educational psychology: a cognitive view. (2nd edition) New York, Holt, Rinehart and Winston, 1980. 685p.
Na aplicação do método à física e na conclusão eu coloquei opiniões e conceitos próprios que achei relevantes.
Portanto é possível, ou até provável, que eu diga algo incompatível com o conteúdo dado. Se este for o caso gostaria muito de receber quaisquer críticas sobre o trabalho.
Para entrar em contato comigo basta escrever para: alberto.silva@apis.com.br.
Bom, vamos lá!
Conceitos básicos
Estrutura cognitiva (o que o aluno já sabe).
Aprendizagem significativa:
Estrutura Cognitiva (ensinar dos assuntos mais abrangentes aos menos abrangentes).
Substantividade (deve haver uma relação entre o que está sendo ensinado e sua estrutura cognitiva).
Não arbitrariedade (o professor deve facilitar ao aluno conectar o assunto à sua estrutura cognitiva).
Predisposição (o aluno deve querer ter uma aprendizagem significativa).
Material significativo (o assunto sendo estudado deve ter um contexto social).
Diferenciação progressiva (as idéias mais gerais e mais abrangentes são ensinadas primeiro, mas mais diferenciadas depois).
Reconciliação integrativa (tornar evidente ao aluno as diferenças entre sua estrutura cognitiva e o assunto estudado).
Organizadores prévios (material introdutório contendo características acima).
Tipos de aprendizagem significativa
Representações - aprendizado de símbolos que representam algo concreto.
Conceitos - aprendizado de símbolos subjetivos.
Formação - Aprendizagem de conceitos de forma prática, onde o aluno aprende por observar coisas completamente novas.
Assimilação - Aprendizagem de conceitos onde o aluno faz uma relação com algo existente em sua estrutura cognitiva.
Proposições - aprendizado de idéias, reuniões de símbolos.
Subordinado - a aprendizagem de idéias mais abrangentes ocorrem primeiro.
Subsunção derivativa - o conhecimento aprendido deriva de um outro mais genérico.
Subsunção correlativa - o conhecimento aprendido é uma extensão, modificação ou elaboração de um já existente.
Super-ordenada - o conhecimento mais específico ocorre primeiro, para somente então o conhecimento mais genérico ser adquirido a partir deste.
Combinatória - não há relação entre o conhecimento sendo aprendido e o já existente na estrutura cognitiva do aluno. É o mais difícil para o aluno.
Recepção - É transmitido ao aluno um conhecimento final, já pronto. O aluno não tem que descobrir nada.
Descoberta - É fornecido ao aluno dados e o aluno, a partir destes, deve descobrir por si só o conteúdo final.
Metodologia e pressupostos
Para tentar entender a teoria de Ausubel é preciso ter em mente dois aspectos muito importantes: a estrutura cognitiva e a aprendizagem significativa.
Estrutura cognitiva:
Estrutura cognitiva para Ausubel é, de certa forma, tudo aquilo que o aluno já sabe. Para exemplificar melhor, a estrutura cognitiva de Ausubel poderia ser comparada ao conhecimento real de um aluno, de acordo com a teoria de Vygotsky.
Para Ausubel a estrutura cognitiva de um indivíduo é o principal fator que determinará sua aprendizagem. Isso se deve porque a estrutura cognitiva é hierarquicamente organizada. Isso significa que um determinado conhecimento situa-se, na mente de um indivíduo, depois de um conhecimento mais generalizado.
A principal tarefa de um professor seria, então, encontrar esses conhecimentos básicos, mais genéricos, e, a partir deles, ensinar aos alunos conceitos mais especializados.
Se esses conceitos mais abrangentes forem aprendidos primeiro, os conhecimentos mais específicos ficarão mais fáceis de serem absorvidos pelo aluno. Isso se dá graças ao fato de que a mente de uma pessoa está assim organizada: os conceitos mais abrangentes precedem os conceitos mais específicos.
Para o aluno aprender bem os conhecimentos mais específicos, no entanto, a estrutura cognitiva do aluno deve estar muito bem estruturada. Se ela não estiver muito bem estruturada, se o aluno tiver alguma dúvida, receio, ou se ele apenas não tiver "aprendido", mas apenas "decorado" um conceito mais abrangente, de nada vai adiantar ao professor usar a estrutura cognitiva do aluno, pois ele não irá relacionar o assunto que se está aprendendo com sua estrutura cognitiva.
Resumindo: para que um aluno tenha uma aprendizagem significativa a estrutura cognitiva do aluno deve estar clara e bem estruturada. Uma estrutura cognitiva clara e organizada servirá de mapa para um novo aprendizado.
Aprendizagem Significativa
A aprendizagem significativa é a aprendizagem onde o aluno absorve o conteúdo e o "aprende" de forma definitiva. Comparando com o Paulo Freire, para haver aprendizagem significativa deve haver uma dialética, ou seja, o conteúdo deve ser absorvido, interpretado e deve mudar, de alguma forma, o universo do aluno.
Para haver uma aprendizagem significativa, por tanto, é imprescindível que o aluno relacione o que ele está aprendendo com um conhecimento prévio, mais abrangente, ou seja, com algum aspecto essencial de sua estrutura cognitiva.
Colocando em outras palavras, para haver uma aprendizagem significativa, o aluno deve relacionar o que está aprendendo à um conceito subsunçor, ou seja, um conhecimento que o aluno possua previamente, mais generalizado e mais abrangente. Um conceito acima na sua estrutura cognitiva.
Colocando como exemplos os diversos tipos de movimentos na física, supomos que o aluno já saiba bem o movimento retilíneo e os conceitos básicos de energia (conservação, energia cinética, quantidade de movimento, trabalho, …). Esses conhecimentos, se foram devidamente aprendidos, e se estiverem relacionados entre si, constituem a estrutura cognitiva do aluno.
Para ensinarmos o movimento uniformemente variado devemos ter em mente que os conhecimentos acima, mais genéricos e mais abrangentes, devem estar bem entendidos pelo aluno. Então o professor deve deixar claro a relação existente entre os conhecimentos anteriores e o que se está aprendendo. Se o aluno relacionar o novo conceito que está vendo com os conceitos previamente adquiridos ele terá uma maior facilidade de aprender.
Para Ausubel, essa interação deve conter necessariamente a substantividade e a não arbitrariedade.
Para haver uma aprendizagem substantiva, o novo assunto estudado deve se relacionar com algo que ele já conheça. É muito importante, para haver a substantividade, que essa relação não dependa dos símbolos usados.
Usando um exemplo familiar, quando uma professora de ciências ensina que: "O estado do centro da Terra é o de fusão ígnea" os alunos devem saber responder se há lava no centro da Terra, ou seja, deve saber explicar, com outras palavras, o que há no centro da Terra.
A segunda qualidade, a não arbitrariedade significa que a relação entre o assunto sendo estudado pelo aluno e sua estrutura cognitiva não deve ser aleatória. Como um exemplo, o movimento uniformemente acelerado só deve ser apresentado ao aluno quando este já souber o que é o movimento uniforme, o que é aceleração, e de tal forma a facilitar ao aluno ver a conexão entre esses dois tipos de movimento.
Além dessas duas características, duas outras condições devem ocorrer para que a aprendizagem seja significativa: o aluno deve manifestar uma predisposição para aprender, e o material sendo ensinado deve ser significativo para o aluno.
Quanto à predisposição ao ensino significativo no Brasil há uma grande falta. Os alunos brasileiros não gostam de relacionar o que aprendem com o que já sabem. Por que isso?
1. O aluno deve ter uma capacidade de traduzir os novos conceitos aprendidos para sua estrutura cognitiva. Ou seja, ele deve ser capaz de interpretar o novo conhecimento de acordo com seus conhecimentos anteriores, e não simplesmente armazenar esse novo conhecimento.
2. O aluno deve ter a capacidade de traduzir um símbolo em outro. Se o aluno não tiver a capacidade de traduzir uma fórmula numa linguagem verbal, por exemplo, ele sentirá uma maior dificuldade.
3. Tradução de uma forma verbal para outra. Um aluno deve ser capaz de traduzir uma linguagem científica para uma linguagem coloquial, por exemplo.
Em muitas circunstâncias, no Brasil, o aluno não está apto a realizar uma dessas tarefas, ou o que é pior, muitas vezes um aluno não está apto a realizar qualquer tarefa dessas. Acontece, também, que o aluno não queira se dar ao trabalho de exercitar sua mente, ou porque não está acostumado, ou porque não aprendeu a fazer isso (foi desestimulado).
Em várias circunstâncias a culpa pode ser do professor, também:
a. Alguns professores não aceitam uma resposta que não seja literalmente a que ele deu, mesmo que tenha fundamentalmente o mesmo significado.
b. Devido a fracassos anteriores, ou a um certo grau de ansiedade, o aluno pode não acreditar na sua capacidade de aprender significativamente. O professor deve tomar cuidado para não desestimular o aluno.
c. Muitos estudantes, visando apenas a nota e não a aprendizagem, acham mais fácil, e às vezes mais funcional, simplesmente dar a impressão de ter entendido, decorando determinado assunto com algumas palavras, do que realmente buscar a compreensão. O professor deve cobrar a aprendizagem numa prova, não a simples memorização do assunto dado.
Claro que se deve considerar, então, o contexto cultural dos alunos, para que se possa identificar as suas estruturas cognitivas e achar uma maneira do aluno aprender significativamente.
A aprendizagem mecânica contrasta com aprendizagem significativa exatamente nesse processo. Os alunos, por falta de recursos (estrutura cognitiva, falta de meios de ter uma aprendizagem significativa, ou simplesmente por falta de interesse) apenas decoram o conteúdo.
Howe (1972) chama a atenção, no entanto, para que nós não diferenciemos muito entre uma aprendizagem significativa e uma aprendizagem mecânica. Como exemplo, ao se dizer que "a maçã cai na cabeça de Newton por causa da gravidade" a frase terá amplo significado para um Físico que conheça um pouco da história. Ela seria menos significativa para uma pessoa que não saiba história ou física, menos significativa ainda para quem não saiba o que é gravidade.
Mesmo para quem não saiba o que é gravidade, no entanto, essa frase terá algum significado, pois poderá apresentar uma espécie de conceito de gravidade: "algo que faz alguma coisa cair em alguém". Esse tipo de aprendizagem, embora mais mecânica do que significativa, ainda apresentará uma boa parte de aprendizagem significativa, se a pessoa associar gravidade com cair.
Facilitação da Aprendizagem Significativa
Para que tudo o que nós estudamos até aqui funcione, a aprendizagem do aluno deverá levar em conta dois fatores: o uso de conceitos que tenham o mais amplo poder de generalização (o que estudamos anteriormente) e o emprego de métodos e técnicas que obedeçam a estrutura cognitiva do aluno.
Para que a aprendizagem significativa seja facilitada, estudaremos dois métodos: diferenciação progressiva e reconciliação integrativa.
Diferenciação progressiva:
Este princípio propõe que, na programação de um conteúdo, as idéias mais gerais sejam apresentadas em primeiro, para depois serem progressivamente diferenciadas, em termos de detalhes e especificidades (Ausubel, 1965).
O principal motivo para tal é que essa ordem corresponde a ordem natural do ser humano "arquivar" seus conhecimentos.
Ausubel propõe este princípio a partir e duas suposições:
_ é menos difícil para o ser humano compreender o sentido de aspectos diferenciados, a partir de um todo mais amplo já aprendido, do que formular o todo a partir de partes diferenciadas previamente aprendidas;
_ a organização de um conteúdo específico por parte de um indivíduo consiste em uma estrutura hierárquica, na qual idéias mais gerais ocupam uma posição no ápice da estrutura e progressivamente estão as proposições e conceitos menos inclusivos (Ausubel, 1965).
Ao rever esse princípio podemos notar a importância que Ausubel dá à estrutura cognitiva do aluno. No entanto observa-se que esse princípio, apesar de evidente, não está sendo seguido nas escolas, principalmente nas áreas de ciências, que são baseadas em repetição mecânica de fórmulas, princípios e teorias.
O princípio da reconciliação integrativa
O princípio da reconciliação integrativa diz que o professor deve sempre procurar fazer com que a estrutura cognitiva do aluno esteja clara e organizada. Para tal o professor deve sempre tornar clara as diferenças entre as idéias sendo expostas e as idéias já existentes na estrutura cognitiva do aluno. Dessa forma as semelhanças e diferenças entre as idéias a serem aprendidas e já aprendidas devem se tornar evidentes aos alunos.
Conseqüências da falha disso podem ser:
Termos múltiplos são usados para representar conceitos que são intrinsecamente equivalentes;
Não é feito uso adequado das idéias previamente aprendidas, como base para incorporar as novas informações;
Desde que as diferenças significativas entre conceitos aparentemente semelhantes não se tornem claras e explícitas, esses conceitos são freqüentemente percebidos de modo inadequado e retidos como idênticos (Ausubel, 1965).
A estratégia dos organizadores prévios
Ausubel propõe a estratégia dos organizadores prévios para realizar a diferenciação progressiva e a reconciliação integrativa. O organizador prévio é um material introdutório, contendo de uma forma genérica e global todo o conteúdo a ser aprendido. Esse material deve ser apresentado antes do conteúdo em si.
Como exemplos de organizadores prévios podemos ter um texto, um capítulo (como alguns livros fazem), um vídeo, uma experiência, …
Seja qualquer o método empregado, ele não deve se confundir com sumários ou introduções. Uma introdução, ou um sumário, como é freqüentemente usado, está no mesmo nível de abstração do objeto de estudo. Um organizador prévio está num nível de abstração mais alto, usando uma linguagem já compreendida pelos alunos. É importante, portanto, que o organizador seja continuamente relacionado com o conteúdo que se está aprendendo.
É importante que o aluno tenha, em sua estrutura cognitiva, um conceito amplo para servir de âncora, para o novo conceito sendo aprendido, no qual ele possa continuamente relacionar o que está aprendendo, com algo que ele já sabe. Ou seja, o organizador deve servir de ponte entre o que o aluno já sabe e o que ele irá aprender.
Para que o uso de um organizador prévio possa ser usado, o aluno não deve possuir ainda, em sua estrutura cognitiva, material bom e o suficiente para relacionar o que ele está aprendendo com algo que ele já saiba; ou o aluno já possui em sua estrutura cognitiva um conhecimento relevante, bom, e o suficiente para essa relação, mas o aluno não sabe fazer essa relação.
Um organizador expositivo deve ser usado no primeiro caso, ou seja, caso o aluno não tenha em sua estrutura cognitiva informações boas o bastante. Nesse caso o organizador deve acrescentar ao aluno informações amplas e genéricas, em termos que ele possa entender sem qualquer dificuldade.
Um organizador comparativo deve ser usado no segundo caso, na hipótese de o aluno já ter em sua estrutura cognitiva informações boas e o suficiente para o caso. Esse organizador deve, então, comparar o que o aluno já sabe com as novas idéias que irá aprender, aumentando a discriminabilidade ao máximo entre as duas coisas.
Tipos de aprendizagem significativa
De acordo com Ausubel há três tipos de aprendizagem significativa: aprendizagem de representações, de proposições e de conceitos.
Aprendizagem de representações
Consiste numa aprendizagem com símbolos. É o principal tipo de aprendizagem de uma criança realmente pequena, um bebê, e ocorre quando um determinado signo é totalmente desconhecido à ela. Exemplo: suponha-se que "Mamãe" não signifique nada para uma criança. Com o passar do tempo a criança passa a relacionar a pessoa mãe com o símbolo mamãe. Assim ocorreu uma aprendizagem de representações.
Acredito que seja fundamental para uma pessoa que ela tenha tido uma boa aprendizagem de representações quando ela for estudar física e matemática mais tarde. Essas duas ciências possuem símbolos como nenhuma outra, e a pessoa deve ter em mente o que cada símbolo usado representa, e o porquê.
Aprendizagem de conceitos
Aprendizagem de conceitos é uma aprendizagem de representações, mas relativos a símbolos subjetivos, ou seja, conceitos. Um bom exemplo para isso seria bonito, ou alto. Ausubel diz que há dois tipos de aprendizagem por conceitos: a formação de conceitos e a assimilação de conceitos.
A formação de conceitos é a assimilação de conceitos de uma forma prática, vivida pela criança. Assim, quando um criança vê um cavalo várias vezes ela pode aprender as características do animal espontaneamente.
Pode ocorrer que uma criança já tenha aprendido o que é um cavalo, de tanto o observar, mas ainda não tenha um nome para ele. Ao aprender as características do cavalo ela obteve uma aprendizagem de conceitos. Ao aprender que essas características se relacionam com o símbolo "cavalo" ele obteve uma aprendizagem representacional.
A assimilação de conceitos já são mais próprios do adulto e acontece quando alguém lhes apresenta as características de algo e o relaciona com algo que o indivíduo já possua (sua estrutura cognitiva).
Aprendizagem de proposições
Essa aprendizagem refere-se ao significado de idéias, ou seja, ao aprendizado da idéia que uma união de símbolos unidos representam.
Quando essa aprendizagem ocorre, há um relacionamento entre as idéias sendo aprendidas e a estrutura cognitiva da pessoa. Isso pode se dar de três maneiras diferentes: subordinado, super-ordenado ou uma combinação de ambos.
Uma aprendizagem subordinada ocorre quando o aluno aprende algo mais específico de algo mais genérico que ele já saiba.
Ele pode ocorrer de duas maneiras:
a. subsunção derivativa - ocorre quando o novo conhecimento é diretamente derivado de um outro, mais inclusivo, que o aluno já conheça. Ex: se o aluno já conhece o conceito de conservação de energia, a frase "esse circuito está obedecendo ao princípio da conservação de energia" representa uma subsunção derivativa.
b. subsunção correlativa - é a aprendizagem onde os conceitos aprendidos são, na verdade, uma extensão, modificação ou elaboração de conceitos presentes na estrutura cognitiva do aluno. Ex: se a criança já aprendeu o que é um movimento uniformemente acelerado o conceito: "Tudo o que cai obedece às leis do movimento uniformemente acelerado, com a aceleração igual a g" seria uma subsunção correlativa porque isso é uma extensão de algo que ele já conhecia.
A aprendizagem super-ordenada ocorre quando, a partir de observações mais específicas, o aluno chega a um aprendizado mais genérico. Ex: um aluno pode aprender que a energia se conserva depois de observar inúmeros casos.
A aprendizagem combinatória ocorre quando não há uma relação específica entre o que o aluno está aprendendo e sua estrutura cognitiva. Assim sendo elas são mais difíceis. Ausubel (1968) observa que a maioria da aprendizagem nas áreas da ciência ocorrem dessa forma, e, por isso, são mal assimiladas.
Aprendizagem significativa por recepção e aprendizagem por descoberta
A aprendizagem por recepção ocorre quando o professor apresenta ao aluno o conteúdo final da matéria. Assim o aluno não precisa descobrir nada, e do aluno só se exige que ele aprenda e memorize o que foi ensinado.
Na aprendizagem por descoberta o conteúdo não é dado na sua forma final, mas o aluno deve descobrir qual é essa forma. Aqui cabe ao aluno formular o conceito certo para que ele aprenda e memorize o ensinamento.
Não importando qual dos dois métodos for usado, o aluno deve agir sobre a informação para que ocorra a aprendizagem significativa. Se o aluno relacionar o que está aprendendo com sua estrutura cognitiva ocorrerá uma aprendizagem significativa. Caso contrário ocorrerá uma aprendizagem mecânica.
Apesar das críticas Ausubel defendia a aprendizagem por recepção, sem, no entanto, desmerecer a aprendizagem por descoberta. Para Ausubel a aprendizagem por recepção é um processo dinâmico, que exige do aluno um constante relacionamento entre o que o aluno está aprendendo com sua estrutura cognitiva.
É claro que para Ausubel o método por descoberta tem seus valores e méritos. Para ele, no entanto, esse método estava sendo supervalorizado.
Aplicação do método à física
As formas de aplicar esse método à física seriam:
Aplicar o método dos organizadores prévios
Cada assunto a ser exposto deve ser precedido de um organizador prévio e, ao meu ver, de preferência dois organizadores prévios. O primeiro organizador prévio seria uma aula expositiva, o segundo seria uma experiência prévia.
Aula expositiva
Deverá ser uma aula com o assunto que irá ser abordado, tendo muita ênfase em relacionar o assunto a ser aprendido com algo que o aluno já saiba.
Seria como levar a bicicleta para a sala e começar a discutir seus princípios físicos, ou como conversar sobre o que acontece quando o ônibus para, ou estudar os princípios envolvidos numa ferramenta de um país agricultor distante e expor esses princípios ao aluno…
Experiência prévia
Seria constituída de uma experiência geral e genérica para estimular o aluno para a determinada matéria. Penso que seria ideal um organizador prévio que fizesse o aluno tentar obter uma aprendizagem por descoberta, algo tão fundamental na física.
Um bom exemplo seria mandar os alunos fazer em uma panela de papel e depois ferver água nela (um experimento que me fascinou quando o fiz). Depois levar os alunos a tentar entender o que está acontecendo (porque o papel não queima) por eles mesmos. Isso seria, ao meu ver, um bom exemplo de um organizador prévio experimental para uma aula de termodinâmica (calor).
Um outro exemplo seria levar os alunos a um jogo de pinball (claro, isso só serviria para alunos habituados a jogar pinball), ou filmar um jogo de basquete, volley, um esporte, e fazer os alunos tentarem entender porque a bola descreve uma curva parabólica, ou como os atletas conseguem o efeito.
Apesar de uma aula assim ser feita sem um experimento eu considero isso uma aula experimental.
Reestruturação das matérias dadas
As matérias (quando eu as fiz) eram dadas na seguinte ordem:
1º ano: movimento, vetores, forças em dinâmica, princípio da conservação, gravitação, estática do ponto material, hidrostática.
2º ano: temperatura, calor, ótica geométrica, ondas.
3º ano: eletricidade.
De acordo com Ausubel as matérias mais inclusivas, mais gerais, devem preceder as menos inclusivas. Assim eu acho que a ordem deveria ser:
8ª série: uma introdução rápida e geral de energia, da conservação da energia, temperatura e calor.
1º ano: energia, conservação da energia, temperatura, calor, vetores, força estática, movimento (uniforme e uniformemente acelerado), hidrostática.
2º ano: forças dinâmicas, gravitação, ondas, ótica geométrica.
3º ano: eletricidade e física moderna (breve introdução)
Embora o 1º ano pareça "pesado" numa primeira vista, acho que ele não seria assim tão pesado porque, pelo que proponho, uma introdução às matérias a serem dadas já teriam sido feita. Assim no primeiro ano seria feito apenas uma recordação e um aprofundamento dos conceitos de energia e calor.
Quero deixar claro que isso é uma opinião própria, e essa ordem deve ser mudada de acordo com o contexto social dos alunos.
É importante que, cada vez que nos aprofundarmos num determinado assunto, este seja comparado com o assunto prévio. Assim, como cada assunto tem haver com energia, por exemplo, cada assunto deve ser comparado com a energia, com o professor indicando as diferenças e semelhanças.
É importante, então, que o professor diga que a temperatura é uma forma de energia, que o calor é a transferência de temperatura, … relacionando um assunto com o outro o melhor possível, criando um elo entre o que o aluno já aprendeu e o que ele irá aprender.
Conclusão
Achei incrível a semelhança entre cada assunto estudado. Acho que David Ausubel é, no fundo, um resumo de todas as outras teorias dadas. A estrutura cognitiva de David Ausubel é, por exemplo, totalmente equivalente ao conhecimento real de Vygotsky, ou aos estágios de desenvolvimento mental de Piaget.
Acredito que cada estágio mental de Piaget seja, no fundo, uma estrutura cognitiva mais madura e formada que possibilite à criança adquirir conhecimentos mais profundos e específicos.
Vygotsky cita, por exemplo, que o mediador tem uma importância profunda para o desenvolvimento de uma criança, e assim também acha Ausubel, que enfatiza a toda hora a importância que o "mediador" tem para facilitar ao máximo possível o aprendizado dos alunos.
O fato de Ausubel considerar muito importante que o professor leve em conta a estrutura cognitiva do aluno (o mais importante no aprendizado é aquilo que o aluno já sabe) concorda perfeitamente com os períodos de Piaget. Para ensinarmos uma criança devemos sempre ter em mente o estágio de desenvolvimento que a criança está.
E Ausubel também concorda com Paulo Freire exatamente nisso: o contexto social deve ser levado em conta para que haja uma aprendizagem significativa.
Por isso eu considerei David Ausubel o mais completo deles, que envolve melhor a teoria e a prática, nos ajudando muito a aprender a ensinar. Recomendo a todos que se aprofundem ao máximo nesse aspecto.
Tentarei, no futuro, se for possível, fazer um site na Internet onde colocarei este trabalho, assim como textos complementares. Até lá, se quiserem alguma ajuda, me escrevam!
Bibliografia
Moreira, M.A. "Melhoria do Ensino", nº 15, PADES/UFRGS, 1981, capítulo "A teoria de Ausubel", páginas 61 a 73.
Wilma, M.A. Penteado, "Psicologia e ensino", Papelivros, 1980, páginas 59 a 83.
"Cognitive Psychology and its application to education", http://129.7.160.115/inst5931/GOGNITIVE.PSY.
"Concept Mapping: a learning theory-based instructional tool", http://www.spjc.cc.fl.us/0/SPNS/Lancraft/mapping/howtocmapping.html
Bibliografia recomendada
AUSUBEL, D.P., NOVAK, J.D., HANESIAN, H. Educational psychology: a cognitive view. (2nd ed) New York, Holt, Rinehart and Winston, 1978. 733p.
AUSUBEL, D.P., NOVAK, J.D., HANESIAN, H. Psicologia educacional. (trad). Rio, interamerica, 1980. 625p.
MOREIRA, M.ª, MASINI, E.A.F.S. Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo, Moraes, 1982. 625p.